Maravilhoso, imperdível! Aconselho que imprimam e leiam com calma.
Morbidez e Negação da Culpa
Monsenhor Fulton J. Sheen
Porque o pecado é a quebra de uma relação com o amor, segue-se que não pode ser tratado exclusivamente pela psiquiatria. (Não estamos aqui dizendo que todas as desordens mentais são devidas a um sentimento do pecado. Não são. Mas há algumas que são e quando psiquiatras materialistas afirmam que a angústia devida ao pecado pode ser tratada do mesmo modo que outras doenças nervosas e psíquicas, sem referência a recursos espirituais, estão acrescentando às complexidades desordens e frustrações da vida do paciente). Não basta analisar o pecado, a fim de destruir a consciência do pecado ou cura-lo. Se o dentista sabe que a cárie no dente é devida ao uso do açúcar, não se segue daí imediatamente que o dente fique curado. Cavando-se ao redor dum carvalho para descobrir a podridão da bolota da qual ele originariamente proveio, não quer dizer que se esteja fortalecendo a própria árvore. Descobrir os motivos do pecado, pelo estudo do passado do paciente, não é curá-lo. O pecado não está somente na compreensão, nem nos instintos; o pecado está na vontade. Dai não poder ser ele desfeito, como pode ser desfeito qualquer outro complexo pelo fato de ser trazido a lume no consciente. As doenças psíquicas podem brotar de complexos recalcados. Mas o pecado deve ser encarado como um ato da vontade que implica a personalidade inteira. A simples compreensão intelectual não destruirá seus efeitos ou restaurará a saúde do paciente.
Não é verdade que o conhecimento de nossos pecados como pecados induza a um complexo de culpa ou morbidez. Pelo fato de ir uma criança à escola, desenvolve-se nela um complexo de ignorância? Pelo fato de ir o doente ao médico, passa ele a sofrer um complexo da doença? O estudante se concentra, não sobre sua própria ignorância, mas sobre a sabedoria do mestre; os doentes se concentram, não sobre suas doenças, mas sobre os poderes curativos do médico; e o pecador, vendo seus pecados como pecados que são, concentra-se não sobre sua própria culpa, mas sobre os poderes curadores do Médico-Divino. Não há prova alguma que sustente a posição de alguns psiquiatras modernos, quando afirmam que consciência do pecado tende a tornar mórbida uma pessoa. Chamar de escapista a homem porque pede perdão a Deus, é o mesmo que chamar de escapista um proprietário que cuja casa está em chamas, porque pede socorro ao corpo de bombeiros. Se há alguma coisa de mórbido em admitir o pecador sua responsabilidade pela violação de sua amizade com o Divino amor, pode-se dizer que é uma saúde jovial, comparada com a verdadeira e terrível morbidez que sobrevêm àqueles que estão doentes e recusam admitir sua doença. O maior refinamento de orgulho, a mais desprezível forma de escapismo é impedir-se de examinar a si mesmo, no temor de descobrir dentro de si o pecado.
Assim como um bêbado algumas vezes se tornará consciente da gravidade de sua intemperança, somente por meio da assustadora visão de quanto ele desgraçou o seu lar e a mulher que o ama, da mesma forma, os pecadores podem chegar a uma compreensão da sua miséria, quando tiverem compreendido o que fizeram ao Nosso Divino Senhor. É por isso que a Cruz tem sempre desempenhado um papel central na pintura cristã. Ressalta o que há de pior em nós, revelando o que o pecado pode fazer à bondade e ao amor. Ressalta o que há de melhor em nós, revelando o que a bondade pode fazer pelo pecado-perdoar e reparar no momento da maior crueldade do pecado. A Cruz de Cristo faz algo por nós que não podemos fazer por nós mesmos. Em toda e qualquer parte do mundo somos espectadores, mas diante da visão da Cruz, passamos da condição de espectadores à de participantes. Se alguém pensa que a confissão de sua culpa é escapismo, deixai-o ajoelhar-se, uma vez que seja aos pés do Crucifixo. Não poderá deixar de sentir-se envolvido. Um olhar para Cristo pregado na Cruz e a crosta será arrancada das profundezas ulceradas do pecado, ao ser ele revelado em toda a sua hediondez. Um raio apenas daquela Luz do Mundo anula toda a cegueira que os pecados produziram e faz arder dentro da alma a verdade de nossa amizade a Deus. Aqueles que se têm recusado a subir ao Calvário são os que não choraram pelos seus pecados. Uma vez que uma alma tenha subido ali, não pode por mais tempo dizer que o pecado não tem importância.
Se o senso de culpa é um afastamento de Deus e tristeza por haver ferido alguém que amamos, se a dor da autocensura é um sintoma de nossa rejeição do convite de amor, então devemos acentuar não a sensação da culpa, mas o meio de removê-la e encontrar a paz. É preciso amor para ver que o amor foi magoado. O Divino Amor sempre recompensa esse reconhecimento pelo perdão, e uma vez dado o perdão, uma união se restaura de maneira muito mais íntima do que fora antes. Há mais alegria, disse Nosso Senhor, entre os Anjos do Céu, por um pecador que se arrepende do que pelos noventa e nove justos que não necessitam de penitência.
Quando o amor é compreendido com acerto, não nos sentimos tristes pelo pecado, a fim de que Deus possa perdoar-nos; antes sentimo-nos tristes por aceitar esse perdão. Deus se oferece a perdoar-nos antes de nos arrependermos. É a tristeza de nossa parte que torna eficaz esse perdão. O pai não começou a perdoar o filho pródigo, quando o viu vindo lá pela estrada. O pai já havia perdoado o filho desde o começo. O perdão só podia tornar-se efetivo no momento em que o filho se sentiu triste, por ter quebrado a amizade com seu pai e pensou em restaurá-la. Justamente como, sempre tem havia música no ar que nós não ouvimos, a menos que o rádio esteja sintonizando, da mesma forma há sempre perdão disponível, mas não o recebemos enquanto falta tristeza à nossa alma e propósito de emenda. Só descobrimos aquilo que procuramos. A natureza tem muitos segredos para dar-nos, mas não no-los entregará enquanto não estivermos pacientemente diante dela e obedecermos às suas leis. Somente com tal submissão receberemos. Enquanto não houver vontade implorativa de uma relação diferente com Deus, que não aquela distante e medrosa causada pelo pecado, não poderá o pecador ser perdoado. Ser pecador é nossa desgraça, mas saber que o somos é nossa esperança.
SHEEN, Fulton J. Angústia e Paz. São Paulo. Agir, 1959. pp. 99-102.